Chamada para comunicações

Colóquio internacional da associação ADAL

24 a 26 de janeiro de 2024

Na América Latina, a segunda década dos anos 2000 encerrou-se com o aparecimento e a exacerbação de fenômenos climáticos, ambientais e sanitários que revelaram tensões já existentes, como a fratura social, econômica e digital. Além disso, a migração transfronteiriça tornou-se uma realidade em todo o continente; é o caso particular da Venezuela, com seis milhões de migrantes em outros países latino-americanos[1], ou ainda da Colômbia[2], cujo governo contabiliza cinco milhões de cidadãos que deixaram o país[3]. Todas as fronteiras do continente foram atingidas pelos fluxos migratórios amplificados – vindos do Caribe mas também da África – que geraram, entre outros, fenômenos de xenofobia entre os migrantes e a população local. No cerne dessa situação, encontram-se não somente condições políticas difíceis, como a impunidade e as violações dos direitos humanos, mas também sociais, marcadas pela pobreza, violência, precariedade de emprego, discursos securitários, negacionistas ou xenófobos, que afetam todo o subcontinente e provocam uma dinâmica política que oscila, ao longo das décadas, entre a eleição de governos ditos de esquerda e de direita.

Ademais, a pandemia da COVID-19 agravou as condições de centenas de milhões de trabalhadores precários, desempregados (quase 10%, em média[4]), trabalhadores informais (53 % segundo a OIT), etc. Essas populações sofreram o confinamento sem dispor de ajuda governamental e sem ter a possibilidade de sair de casa para obter seu sustento cotidiano. A difícil situação social pré- e pós-pandemia é o cenário de mobilizações coletivas dos mais desfavorecidos e dos que pedem a ampliaçao de seus direitos – por exemplo, as minorias sexuais, as comunidades indígenas e afrodescendentes, entre outras. Protestos e revoltas sociais em diversos países do continente[5], como o Chile (2019-2021) e a Colômbia (2019-2021), anunciam a existência de uma força social que clama por mudanças estruturais.

Nesse contexto, diferentes discursos emergiram. Por um lado, os discursos de diversos atores sociais que se impõem como locutores legítimos de um cenário político dentro do qual, até então, eram marginalizados (Corten, Huart et Peñafiel, 2012); por outro lado, os discursos dos sucessivos governos, que foram obrigados a responder por seus atos e a justificar suas ações. Um fluxo discursivo opera-se, assim, de um lado e de outro com o objetivo de argumentar e de justificar a « legitimidade » das ações implementadas. Embora esses enunciados estejam inseridos em um contexo específico, eles criam condições de mobilização e de ação mais amplas diante das novas realidades sociais e políticas. Os discursos destes diversos atores competem na luta pela imposição de uma interpretação da realidade e da própria noção de « verdade ». Ao posicionarem-se como o pilar central para a compreensão da crise (ou das crises), tais discursos participam, por sua vez, da construção da realidade.

Considerando-se que, para o mundo político e social, a representação do real é construída no e pelo discurso, este colóquio internacional visa analisar a maneira como os discursos institucionais e não institucionais, individuais e coletivos, ajudam a construir as diferentes realidades na América Latina diante desses eventos. Trata-se de observar como as diversas construções discursivas obedecem a condições sócio-históricas (Maingueneau, 2016) e são ancoradas na realidade a partir de procedimentos discursivos específicos. Estes últimos manifestam-se, por exemplo, na utilização de fórmulas (Krieg-Planque, 2003)eevidenciam o processo de nominação e de designação que operam a fim de atingir um objetivo (Cislaru, Guérin, Norim, Née, 2007).

Isso significa observar os discursos considerados como institucionais [Instituere] – conjunto de discursos que se pode considerar em diversos níveis como discursos « autorizados », visto que emanam de uma instituição (Oger et Ollivier-Yaniv, 2003) – e os discursos não institucionais – aqueles que os atores sociais produzem sobre eles mesmos e sobre suas próprias condições de existência.

Levando em conta a definição de « atos de instituição » como um tipo de ato de nominação pelo qual se significa algo a alguém (Bourdieu, 2015), o ato de comunicação institucional participa da construção da realidade, ao passo em que é, ao mesmo tempo, um produto desta mesma realidade. Nesse sentido, as propostas de comunicação deverão inserir-se em um dos dois eixos temáticos seguintes:

1. Os discursos midiáticos, institucionais ou institucionalizados, sobre fenômenos naturais (climáticos, ambientais, sanitários, etc.) ou crises políticas que dão forma ao « acontecimento » através da dispersão material (Foucault, 1971): 

  • Como os governos e/ou a mídia (tradicional, alternativa, pure players) se comunicam e respondem às graves crises geradas pela pandemia ou pelos fenômenos climáticos?
  • Que gêneros de discurso os dirigentes utilizaram para influenciar, orientar ou condicionar certos comportamentos dos cidadãos?
  • De que maneira os discursos políticos sobre o meio ambiente na América Latina e no Caribe participaram da construção dos acontecimentos? Como se pode caracterizá-los?
  • De que maneira um discurso pode ser qualificado de « populista » e quais são os debates com relação às situações de crise (migratórias, de segurança, jurídicas, relativas aos direitos humanos, etc.) na América Latina?
  • Como os discursos sobre o desenvolvimento e o futuro político do continente refletem a discussão em torno dos antigos paradigmas do mundo bipolar (a ameaça comunista, o inimigo interno, a ideologia, o imperialismo, etc.)?

2. Os discursos circulando no espaço público e que, não obstante, consideram-se ou são considerados como « não institucionalizados » por oporem-se aos discursos institucionais. Trata-se de observar, diante do paradigma institucional dominante, os discursos dos movimentos sociais (das vítimas, das minorias, dos setores invisibilizados, etc.) e seus processos de construção e legitimidade:

  • De que maneira as redes sociais abriram uma « janela de oportunidades » (Tarrow, Sydney, 1994), do ponto de vista enunciativo, propícia à ação dos movimentos sociais? Como os cidadãos se apropriaram de certos canais de comunicação que circulam nessas redes e como eles adaptaram sua estratégia discursiva para se expressarem, organizarem, mobilizarem ou serem eficientes?
  • Como, na América Latina, o discurso sobre a mudança climática mobiliza os jovens militantes, as comunidades autóctones, os adversários do pensamento único, etc. na esperança de preservar o planeta e de lutar contra o aquecimento global?
  • Como o discurso político, materializado em um gênero discursivo particular (tal qual o discurso político digital) reativa a noção de militância e de reconhecimento (Honneth Axel, 1992) gerando novas figuras políticas midiáticas?
  • Ou, ao contrário, como as ações diretas espontâneas (Corten, Huart et Peñafiel, 2012) –  como os « estallidos »(explosões sociais) ou as manifestações populares – instauram novas subjetivações políticas e novas condições de possibilidade para a emergência de posições sociais e enunciativas antes invisibilizadas?
  • De que maneira os processos de captação e de subversão (Maingueneau, 2016) se manifestam como mecanismos de comunicação para organizar a pragmática da oposição, inserindo-se em uma lógica simbólica propícia à discussão democrática?

Organização

As propostas podem ser enviadas em francês, espanhol ou português a adal@colloque-adal2024.org via um documento Word anônimo, contendo apenas o título da proposta, um resumo de 500 palavras (bibliografia não inclusa) com a problemática, a metodologia, as hipóteses ou resultados que serão desenvolvidos, cinco palavras-chave e cinco referências bibliográficas. O corpo do e-mail deverá incluir o nome do.a autor.a, seu vínculo institucional e sua disciplina, seu e-mail e o título da proposta.

A língua oficial do colóquio é o francês, mas as comunicações poderão igualmente ser feitas em espanhol ou em português. Nesse caso, os.as participantes deverão providenciar uma apresentação Power Point em francês. Após o evento, uma seleção de artigos será publicada na forma de livro ou revista, impresso e/ou eletrônico.


Calendário:

  • 8 de fevereiro de 2023: lançamento da chamada de trabalhos.
  • 30 de abril de 2023: encerramento da chamada e do envio das propostas a adal@colloque-adal2024.org
  • 30 de junho de 2023: notificação de aceite ou de recusa aos proponentes.
  • 15 de setembro de 2023: abertura das inscrições no site do colóquio.
  • 24 a 26 de janeiro de 2024: realização do colóquio em Paris.

[1] Números do mês de dezembro de 2022: https://www.imf.org/es/News/Articles/2022/12/06/cf-venezuelas-migrants-bring-economic-opportunity-to-latin-america

[2] https://www.oecd-ilibrary.org/sites/3894985a-fr/index.html?itemId=/content/component/3894985a-fr#indicator-d1e59446

[3] Os números para a Colômbia oscilam entre 5 e 8 milhões de colombianos vivendo no exterior. Fonte: Congrès de la République de Colombie. https://www.camara.gov.co/presupuesto-y-censo-necesarios-para-atender-migrantes-colombianos

[4] https://www.ilo.org/global/about-the-ilo/newsroom/news/WCMS_836226/lang–fr/index.htm

[5] Argentina, Costa Rica, Brasil, Equador, Bolívia, Peru, Venezuela, Nicarágua. Todos esses países vivenciaram manifestações entre 2019 et 2020. Cuba e Paraguai em 2021, assim como a Guatemala e El Salvador.


Bibliografia sugerida

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Alvarez-Leguizamon, S., (2005), Trabajo y producción de la pobreza en latinoamérica y El Caribe: estructuras, discursos y actores, Bunos Aires, Consejo latinoamericano de ciencias sociales (CLASCO)

Araujo, I. F., & Cortes, G. R. de O., (2021), « O rompimento da barragem Brumadinho: disputa de sentidos nas tramas discursivas do Twitter », Revista Eletrônica Interfaces, 12 (1). https://revistas.unicentro.br/index.php/revista_interfaces/article/view/6536.  

Brum, C.; Cavalheiro de Jesus, S., (2015), « Mito, diversidade cultural e educação: notas sobre a invisibilidade guarani no Rio Grande do Sul e algumas estratégias nativas de superação », Horizontes Antropológicos [En ligne], 44. http://journals.openedition.org/ horizontes/1020

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Corten, A.; Huart, C. et Peñafiel R. (2012). L’interpellation plébéienne en Amérique latine. Violence, actions directes et virage à gauche, Paris/Montréal, Karthala/PUQ.

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